René Lacoste e os EUA: uma verdadeira história de amor
Seria compreensível se pensasses que a história da Lacoste foi escrita no outro lado do Atlântico, onde René Lacoste se sentia em casa. A alcunha, as vitórias, as ideias... teve-as todas nos EUA. Até encontrou ali o amor da sua vida.
Entrega de la Copa del Campeonato de Estados Unidos a René Lacoste, Forest Hills, 1927 © Archivos de la familia Lacoste.
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E nasceu o Crocodilo
Em 1923, René Lacoste, de dezanove anos, chegou a solo americano pela primeira vez para competir na final interzona da Taça Davis. Nas ruas de Boston, uma mala de pele de crocodilo chamou a sua atenção: "Se eu ganhar, tu compras-me aquela mala!", disse ao seu treinador... Nos courts, a esperança do ténis francês brilhou de tal forma que os jornalistas, conhecedores da anedota da mala, deram-lhe uma alcunha que mudaria o seu destino: o "crocodilo". Afinal de contas, René Lacoste "nunca solta a sua presa". O jovem campeão e os seus companheiros franceses, cobertos de glória, não ganharam, mas para René Lacoste foi uma revelação. Sem dúvida, regressaria aos EUA.
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Muitos verões. Uma ideia.
A carreira de René Lacoste descolou, como as oportunidades que teve para jogar ténis nos Estados Unidos, em singulares ou em equipa. René Lacoste recorda estes verões no seu livro, Tennis: ""... Mas o que mais me importava era o verão nos Estados Unidos, precedido ou seguido por descanso e relaxamento com uma juventude alegre nos grandes transatlânticos franceses entre Le Havre e Nova Iorque. Os Estados Unidos eram simbolizados pelas nossas estadias em Boston, Filadélfia e Nova Iorque, onde o calor húmido, as tardes soalheiras e as noites sem ar condicionado permitiam-nos perder rapidamente os 4 ou 5 quilos necessários após os 5 ou 6 dias que tínhamos passado no France, no Paris ou no Ile-de-France.""
Foi o calor americano que o inspiraria a confecionar a sua primeira camisa. Foi também durante uma destas travessias que conheceu alguém que mudaria a sua vida... para sempre.
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Amor à primeira vista no transatlântico
1927. René Lacoste, vitorioso no US Championship, embarca no transatlântico Ile-de-France com destino a Le Havre. Também a bordo seguia uma jovem campeã de golfe que chamou a atenção de René. O seu nome? Simone Thion de la Chaume, uma golfista francesa que acabava de competir no Campeonato de Golfe Amador Feminino dos Estados Unidos. Acompanhada pelos seus pais, regressava também a casa.
Alguns dias antes, Simone tinha testemunhado a conquista de René. Sim, ela estava na bancada do Forest Hill Stadium quando Lacoste bateu Bill Tilden, o ""americano invencível"", e diz-se até que, se René mudou a tática durante o jogo, foi para impressionar a jovem... A cumplicidade entre o aclamado francês e a promissora golfista era tão óbvia que assim que chegaram a França a imprensa já falava da possibilidade de um romance. René e Simone casaram em 1930. Foi graças a ela que a marca do crocodilo estabeleceu as suas raízes para lá dos courts de ténis e até aos campos de golfe.
"Ao longo da minha vida, sempre senti uma grande atração e gratidão pela América. O espírito e a generosidade americanos marcaram-me de tal forma que me sinto quase tão americano como francês." René Lacoste
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Vitórias, bravura... e um estádio
"Vitória no US Championship de 1927, mas também, poucos dias antes, uma soberba vitória individual e coletiva na Taça Davis diante de doze mil espetadores. René Lacoste sentia-se em casa no outro lado do Atlântico. Henri Cochet, Jean Borotra e Jacques Brugnon nunca estavam longe, levantando taças ao seu lado, tanto que o fenómeno francês foi unanimemente aclamado pela imprensa americana. ""Os Estados Unidos eram também sinónimo do prazer de jogar na relva, que sempre preferi à terra batida, na presença de um público tão imparcial quanto entusiasta, aplaudindo tanto as taças dos 'pequenos franciús' como as dos seus campeões locais"", recorda René Lacoste em Tennis.
Em França, foi no seguimento da sua vitória na Taça Davis que o jornalista Paul Champ lhes deu a famosa alcunha de ""Os Mosqueteiros"". ""A América"", continua René Lacoste, ""também significava batalhas fratricidas, mas sempre alegres, com Cochet e Borotra nos courts de Forest Hills."" Nasceram os ""Mosqueteiros"", em referência à camaradagem e à bravura dos jogadores franceses.
Foi para celebrar uma França vitoriosa que, em 1928, foi construído um novo estádio na orla do Bosque de Bolonha. Os ""Mosqueteiros"", liderados por René Lacoste, foram tão bem-sucedidos que o Racing Club de France e o Stade Français eram claramente pequenos demais para receber a final da Taça Davis seguinte. O nome deste novo templo do ténis? Roland-Garros. A Lacoste tornou-se parceira oficial em 1971."
Estádio Roland-Garros, René Lacoste contra Jean Borotra © DR.
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Um crocodilo sem fronteiras
O resto é história. Após dez anos de uma carreira tenística de sucesso, pontuada por muitas viagens de regresso aos Estados Unidos, René Lacoste lançou o seu icónico polo em 1933. Diz-se que a sua inclinação por patentear ideias surgiu dos encontros com industriais americanos durante as suas numerosas travessias. Numa homenagem definitiva, em 1955, a equipa americana de ténis usou o icónico polo Lacoste na Taça Davis. Numa entrevista ao Rendez-Vous, de Genebra, em 1990, René Lacoste recordou: ""Ao longo da minha vida, sempre senti grande atração e gratidão pela América. O espírito e a generosidade americanos marcaram-me de tal forma que me sinto quase tão americano como francês.""
Seguindo as pisadas de René Lacoste, que superou fronteiras e encarnou o espírito de equipa, a marca tem agora comunidades em todos os cantos do globo. Unidos, sob o signo do crocodilo.
A equipa americana veste polos Lacoste na Taça Davis de 1955 © DR.
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